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sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

CARTAS DE AMOR


Todas as cartas de amor
são ridículas.

Não seriam cartas de amor
se não fossem ridículas.

Também escrevi, no meu tempo,
cartas de amor como as outras,
ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
têm de ser ridículas .

Quem me dera o tempo,
em que eu escrevia
sem dar por isso, cartas de amor ,
ridículas.

Afinal,só as criaturas
que nunca escreveram Cartas de amor
É que são ridículas...

Fernando Pessoa



quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

SEM PALAVRAS



Quando eu tinha o teu amor
Não me sentia à vontade
Para dizer quanto te queria.
Mas não podia supor
Que, por guardar a verdade
Tu julgasses que eu mentia.


Podia continuar mudo
Que as palavras não são tudo
Mais importa o que é vivido,
Mas digo-te cá do fundo
Que ainda dava a volta ao mundo
Na roda do teu vestido.

Quando estiveste ao meu lado,
Faltou-te da minha boca
Uma jura de paixão
E, ao veres-me assim tão calado
Cismaste até ficar louca,
Numa história de traição.

Agora, que já te entendo,
Confesso que me arrependo
Do meu coração tão fraco
E digo sem hesitar:
Gostava mais de cantar
Com as bandas do teu casaco.



 Maria do Rosário Pedreira

domingo, 8 de dezembro de 2013

Soneto do Maior Amor

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da vida eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer – e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

Vinicius de Moraes


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Como pálpebras roxas que tombassem



 
Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce… Ah! doces mãos piedosas
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!

Assim mãos de bondade me embalassem!
Assim me adormecessem, caridosas,
E em braçadas de lírios e mimosas,
No crepúsculo que desce me enterrassem!

A noite em sombra e fumo se desfaz…
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe-me embriagada, louca!

E a noite vai descendo, muda e calma…
Meu doce Amor, tu beijas a minh’alma
Beijando nesta hora a minha boca!

Florbela Espanca,





Assim



sábado, 23 de novembro de 2013

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A Estrela

 
  
Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do dia


(Manuel Bandeira)
   
   

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Anseios




Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha cais!

Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais
Não valem o prazer duma saudade!

Tu chamas ao meu seio, negra prisão!...
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbre o brilho do luar!

Não estendas tuas asas para o longe...
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela, a soluçar!...



    

Florbela Espanca

domingo, 17 de novembro de 2013

Distância e Longa Ausência Prejudicam Qualquer Amizade

Distância e longa ausência prejudicam qualquer amizade, por mais desgostoso que seja admiti-lo. As pessoas que não vemos, mesmo os amigos mais queridos, aos poucos se evaporam no decurso do tempo até ao estado de noções abstractas, e o nosso interesse por elas torna-se cada vez mais racional, de tradição. Por outro lado, conservamos interesse vivo e profundo por aqueles que temos diante dos olhos, nem que sejam apenas os animais de estimação. Tão presa aos sentidos é a natureza humana. Por isso, aqui também são sábias as palavras de Goethe: O tempo presente é um deus poderoso.
Os amigos da casa são chamados assim com justeza, pois são amigos mais da casa do que do dono, portanto, assemelham-se antes aos gatos do que aos cães.
Os amigos dizem-se sinceros; os inimigos o são. Sendo assim, deveríamos usar a censura destes para nosso autoconhecimento, como se fosse um remédio amargo.
Os amigos são raros na necessidade? Não, pelo contrário! Mal fazemos amizade com alguém, e logo ele estará em dificuldade, pedindo dinheiro emprestado.


Arthur Schopenhauer
   

Hino à Razão




Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça
De astros, sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações
buscam a liberdade entre clarões;
e os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

Antero de Quental


   

sábado, 16 de novembro de 2013

Regra fundamental da vida


Quando nós dizemos o bem, ou o mal... há uma série de pequenos satélites desses grandes planetas, e que são a pequena bondade, a pequena maldade, a pequena inveja, a pequena dedicação... No fundo é disso que se faz a vida das pessoas, ou seja, de fraquezas, de debilidades... Por outro lado, para as pessoas para quem isto tem alguma importância, é importante ter como regra fundamental de vida não fazer mal a outrem. A partir do momento em que tenhamos a preocupação de respeitar esta simples regra de convivência humana, não vale a pena perdermo-nos em grandes filosofias sobre o bem e sobre o mal. «Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti» parece um ponto de vista egoísta, mas é o único do género por onde se chega não ao egoísmo mas à relação humana.
José Saramago

   

EPITAFIO



Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer...
Queria ter aceitado
As pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria
E a dor que traz no coração...

O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor...

Queria ter aceitado
A vida como ela é
A cada um cabe alegrias
E a tristeza que vier...

O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr... 

Teus Olhos Entristecem




Teus olhos   entristecem
Nem ouves o que digo.
Dormem, sonham esquecem...
Não me ouves, e prossigo.

Digo o que já, de triste,
Te disse tanta vez...
Creio que nunca o ouviste
De tão tua que és.

Olhas-me de repente
De um distante impreciso
Com um olhar ausente.
Começas um sorriso.

Continuo a falar.
Continuas ouvindo
O que estás a pensar,
Já quase não sorrindo.

Até que neste ocioso
Sumir da tarde fútil,
Se esfolha silencioso
O teu sorriso inútil.




Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Poema de agradecimento à corja





Obrigado, excelências.
Obrigado por nos destruírem o sonho e a oportunidade
de vivermos felizes e em paz.
Obrigado
pelo exemplo que se esforçam em nos dar
de como é possível viver sem vergonha, sem respeito e sem
dignidade.
Obrigado por nos roubarem. Por não nos perguntarem nada.
Por não nos darem explicações.
Obrigado por se orgulharem de nos tirar
as coisas por que lutámos e às quais temos direito.
Obrigado por nos tirarem até o sono. E a tranquilidade. E a alegria.
Obrigado pelo cinzentismo, pela depressão, pelo desespero.
Obrigado pela vossa mediocridade.
E obrigado por aquilo que podem e não querem fazer.
Obrigado por tudo o que não sabem e fingem saber.
Obrigado por transformarem o nosso coração numa sala de espera.
Obrigado por fazerem de cada um dos nossos dias
um dia menos interessante que o anterior.
Obrigado por nos exigirem mais do que podemos dar.
Obrigado por nos darem em troca quase nada.
Obrigado por não disfarçarem a cobiça, a corrupção, a indignidade.
Pelo chocante imerecimento da vossa comodidade
e da vossa felicidade adquirida a qualquer preço.
E pelo vosso vergonhoso descaramento.
Obrigado por nos ensinarem tudo o que nunca deveremos querer,
o que nunca deveremos fazer, o que nunca deveremos aceitar.
Obrigado por serem o que são.
Obrigado por serem como são.
Para que não sejamos também assim.
E para que possamos reconhecer facilmente
quem temos de rejeitar.



Joaquim Pessoa

Despir um corpo a primeira vez



Despir um corpo a primeira vez
é um conhecimento entre dois deuses.
Não se pode profanar o instante.
E os amantes devem manter o ritmo dos altares.
Porque, embora nesses rituais haja sempre
panos e trajes para agradar o Olimpo,
é pra nudez total que o céu nos quer quebrar.
As mãos têm que ter um compasso certo.
Um andante ou claro de Bach nos gestos,
compondo a alegria dos homens e mulheres.
As mãos, sobretudo, não podem se apressar.
Com os olhos, têm que aprender e, com a ponta
dos dedos, contemplar os acordes que irão
surgindo quando, peça por peça,
o corpo for se desvestindo ao pé do altar.
Antes de se tocar com as mãos e lábios,
na verdade, já se tocou o corpo alheio
com um distraído olhar sempre envolvente.
E ninguém toca um corpo impunemente.
Despir um corpo a primeira vez não pode ser
coisa de poeta desatento, colhendo futilmente
a flor oferta num abundante canteiro de poesia.
Nem pode ser coisa de um puro microscopista,
que olha as coisas sabiamente.
Se tem que ser de sábio olhar,
que seja do botânico, porque esse saber aflorar
em cada espécie tem de mais secreto ou distante,
o que cada espécie sabe dar.
Despir um corpo a primeira vez
é conhecer, pela primeira vez uma cidade.
E os corpos das cidades têm portas para abrir,
jardins de pousar, torres e altitudes que excitam a visitação.
Quando os corpos se tocam por acaso,
como se estivessem indo em direções diferentes,
o que ocorre é desperdício.
Não se pode tocar um corpo impunemente.
Para se tocar um corpo completa e profundamente,
num dado instante, os corpos têm que se convergir.
E convergir com uma luz diferente.
A descoberta do outro é isso, é convergência.
Despir um corpo a primeira vez
é como despir um presente, por isso não se pode
desembrulhá-lo assim, às pressas, embora a gula
nos precipite afoitos sobre a pele ofertada.
Não se pode com as mãos infantis,
descompassadas, ir rasgando invólucros,
arrebentando cordões com gula que as crianças
só têm nas confeitarias, antes da indigestão.
Um corpo é surpresa, sempre.
É o que se vê nas praias,
nessa pública ostentação, nesse exercício coletivo
de nudez negaceada, em nada tira a eufórica
contentação do ato, quando os dedos vão
desatando botões e beijos,
e rompendo as presilhas das carícias.
Despir um corpo a primeira vez
não é coisa de amador.
Só se o amador for amador da arte de amar,
porque o corpo do outro não pode ter
a sensação de perda, mas a certeza de que
algo nele se somou, que ele é um objeto
luminoso que a outros deve iluminar.
Um corpo a primeira vez, no entanto,
é frágil e pode trincar em alguma parte.
E os menos resistentes se partem,
quando aquele que os toca,
os toca apenas com cobiça e nunca
a generosa mansidão de quem veio
pela primeira vez, e sempre, para amar .




Affonso Romano de Sant'Anna

A Mulher que Passa


    Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
    Seu dorso frio é um campo de lírios
    Tem sete cores nos seus cabelos
    Sete esperanças na boca fresca!

    Oh! Como és linda, mulher que passas
    que me sacias e suplicias
    Dentro das noites, dentro dos dias!

    Teus sentimentos são poesia
    Teus sofrimentos, melancolia.
    Teus pêlos leves são relva boa
    Fresca e macia.
    Teus belos braços são cisnes mansos
    Longe das vozes da ventania.

    Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

    Como te adoro, mulher que passas
    Que vens e passas, que me sacias
    Dentro das noites, dentro dos dias!

    Porque me faltas, se te procuro?
    Por que me odeias quando te juro
    Que te perdia se me encontravas
    E me encontrava se te perdias?

    Por que não voltas, mulher que passa?
    Por que não enches a minha vida?
    Por que não voltas, mulher querida
    Sempre perdida, nunca encontrada?
    Por que não voltas à minha vida
    Para o que sofro não ser desgraça?

    Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
    Eu quero-a agora, sem mais demora
    A minha amada mulher que passa!

    No santo nome do teu martírio
    Do teu martírio que nunca cessa
    Meu Deus, eu quero, quero depressa
    A minha amada mulher que passa!

    Que fica e passa, que pacifica
    Que é tanto pura como devassa
    Que bóia leve como a cortiça
    E tem raízes como a fumaça.

    Vinicius de Moraes

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Amar dentro do peito


Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janela:

Fazê-la vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertá-la nos braços casta e bela:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vê-la rendida enfim a Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que há no mundo

Manuel Maria Barbosa du Bocage

terça-feira, 12 de novembro de 2013

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Pensamento profundo - Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", mas esta poesia reflecte uma realidade imutável: o facto de que a realidade está sempre em constante mudança.
Confuso? Incoerente? Talvez nem tanto...



Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, 
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Luís Vaz de Camões

Cartas D'Amor - O Efêmero Feminino (Livro)



domingo, 10 de novembro de 2013

Amigos virtuais não têm idade


De repente percebo com encantamento que amigos virtuais não têm idade. Eles têm essa forma bonita de se aconchegar no nosso colo, de se eternizar de maneira indefinida e a gente não sabe adivinhar se são crianças ou experientes da vida.
Há nas suas palavras um perfume de mistério, eles brincam, falam sério e quantas primaveras viveram torna-se tão insignificante que a gente nem pensa mais. Abraçamos a imagem sem ver o rosto, bebemos as palavras sem nos questionar.
O que é a idade? Na net isso não tem a mínima importância. Amigos de vinte, trinta, quarenta... oitenta anos!... Todos tão iguais, todos tão especiais. Amamos o que lemos, o que recebemos, aquilo que se adentra e se apega à nossa alma e não pensamos se os olhos são castanhos ou azuis, se o cabelo é loiro ou preto, curto ou comprido, se a pele é negra, branca ou morena.
Há nessa rede muito mais calor humano, muito mais igualdade, menos preconceitos, mais amor do que em qualquer outra sociedade. Aprendemos a amar as pessoas simplesmente pelo que são e pelas alegrias que trazem ao nosso coração.
Ai!... Que alegria essa evidência divina! Somos elos dourados, somos seres abençoados, pétalas de uma mesma flor, somos lindos versos entrelaçados!...